Sociedade digital
Vivemos um momento de inflexão do físico para o digital no ambiente de negócios brasileiro, que deve se intensificar em 2017, incidindo na tomada de decisões e na adoção de posicionamentos, com base na gestão estratégica de dados e tecnologia.
Outubro-Dezembro | 2016
Transformação digital: no mundo dos negócios, o termo define o conjunto de mudanças em processos, produtos e estratégias empresariais viabilizadas pelas recentes inovações tecnológicas. O tema vai muito além da mera adoção de novas soluções de Tecnologia da Informação (TI): inclui a compreensão de todas as possibilidades oferecidas pelas ferramentas digitais e de como esses recursos podem transformar a experiência do cliente e seu relacionamento com a marca, sua integração aos sistemas internos de produção e de gestão e, afinal, seu impacto sobre o próprio modelo de negócios da organização.
A revolução digital envolve um novo posicionamento na cadeia de valor, a redefinição dos fluxos de informação dentro e fora da empresa e a transformação dessa informação em inteligência., Marcia Ogawa, sócia-líder da Deloitte para o atendimento à indústria de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações.
“As empresas estão preocupadas com a transformação digital, mas ainda não estão preparadas para ela”, afirma Marcia Ogawa, sócia-líder da Deloitte para o atendimento à indústria de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações. Esta é, aliás, uma visão corroborada por resultados da pesquisa “Agenda 2017”. “Não se trata de, simplesmente, criar um aplicativo para smartphone. Envolve um novo posicionamento na cadeia de valor, a redefinição dos fluxos de informação dentro e fora da empresa e a transformação dessa informação em inteligência.”
Especialistas em inovação e cultura digital nos ajudam a compreender os próximos passos nesse caminho. Uma certeza é unânime: 2017 será um ano de inflexão do físico para o digital no cenário de negócios brasileiro. A seguir, um panorama das principais inovações que vão puxar a transformação digital nas empresas no Brasil já no curto prazo, e as possibilidades oferecidas por essas tendências.
Analytics: dados que se tornam estratégias
Ferramentas digitais que descobrem e interpretam padrões e significados dentro de grandes fluxos de informações combinam estatística, programação de dados e pesquisa operacional.
Em um mundo em que a quantidade de informação circulante multiplica-se de forma exponencial – produzindo o chamado big data –, é necessário empregar recursos digitais para entender o significado e o valor dos dados coletados, a fim de gerar inteligência de mercado. Daí a importância do analytics, que representa um segmento que, segundo levantamento da IDC, empresa de informações de mercado, movimentará R$ 3,2 bilhões em investimentos no Brasil até o fim de 2016. Já em 2017, o alcance e a sofisticação das ferramentas aumentarão sensivelmente, trazendo versatilidade e mais facilidade de uso.
“O analytics será cada vez mais combinado a experiências cognitivas, que usam os dados do ambiente no qual os usuários se inserem para acompanhar seu comportamento. A ideia é fornecer experiências diferenciadas tanto dentro das empresas quanto para os clientes, aumentando a intimidade entre as empresas e seus públicos”, comenta Paulo Pagliusi, diretor da frente de Cyber Risk Services da Deloitte. “A convergência entre a expansão da computação em nuvem, da mobilidade, dos dispositivos digitais e das informações que chegam via redes sociais será potencializada pelo uso de analytics. Boa parte das despesas das empresas na área de TI será relacionada a essas tecnologias.”
IoT: a internet de tudo
A conexão de uma vasta variedade de eletrodomésticos, máquinas e objetos cotidianos à web, por meio de sensores inteligentes, desafia os setores de manufatura e tecnologia para um novo paradigma.
De acordo com levantamento divulgado pela consultoria Gartner, em 2020 o número de objetos conectados à internet pode ultrapassar os 20 bilhões. “Isso sem contar as conexões tradicionais, via celular ou computador”, diz Jacques Barcia, consultor de tendências do Porto Digital, parque tecnológico situado em Recife. “Hoje estamos entendendo como inserir esse tipo de conectividade em automóveis e televisores, e o próximo passo será ‘embedar’ a tecnologia nas próprias pessoas, em suas roupas e objetos de uso pessoal”, afirma o especialista.
As previsões para o mercado de Internet das Coisas (IoT) no Brasil em 2017 apontam para investimentos que superam os R$ 4 bilhões, segundo a IDC. Nesse contexto, o setor de manufatura já prepara a incorporação da IoT ao chão de fábrica. “É o que se tem chamado de Indústria 4.0’”, conta Luciano Lopes, gerente sênior de TI da Embraco, empresa especializada na fabricação de compressores para refrigeração (veja mais sobre a Indústria 4.0 na matéria “Admirável Mundo 4.0”). “A internet está cada vez mais presente nos processos industriais, incluindo linhas de montagem, sistemas de geração e distribuição de energia e processos de manutenção e de comunicação.” O especialista aponta que a aviação, o transporte ferroviário, a energia, a saúde e a cadeia de óleo e gás são os segmentos que lideram a tendência.
Conexão urbana
As “cidades inteligentes” buscam uma gestão mais eficiente e sustentável com o uso extensivo de telecomunicações e serviços digitais.
Em 2017, os 5.570 municípios brasileiros darão posse a novos (ou reeleitos) prefeitos. Esses gestores precisam estar atentos às mudanças rápidas que as novas tecnologias têm aplicado a temas como mobilidade urbana, segurança pública, infraestrutura, arquitetura e empreendedorismo.
“A Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas (RBCIeH) e a Frente Nacional de Prefeitos têm orientado esses gestores a iniciarem os movimentos para a adoção de ecossistemas de inovação nas cidades”, lembra André Gomyde, presidente da RBCIeH. Em 2017, deveremos ver a atuação, no Congresso Nacional, da Frente Parlamentar Mista em Apoio às Cidades Inteligentes e Humanas.
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) também mantém um grupo de trabalho sobre o tema, no qual especialistas discutem estratégias e prioridades no âmbito do Governo Federal. “Vemos uma entrada cada vez maior da TI na gestão dos municípios, em projetos já em execução”, narra Carlos Frees, líder de Projetos em Tecnologia da Informação e da Comunicação na ABDI. Alguns exemplos são centrais de segurança munidas de câmeras e sensores integrados, controles inteligentes de tráfego e mobilidade e telemetria em sistemas de iluminação pública. “Uma iniciativa importante do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) é a implantação de infraestrutura digital básica em cidades pequenas, que deve beneficiar cerca de 170 localidades em 2017”, diz o especialista.
Os smart grids, que permitem o uso e uma distribuição mais racionais da energia elétrica na rede pública, ganharão impulso. “É possível usar a rede de iluminação pública para integrar transmissão de dados e conectividade para uma cidade inteira”, prenuncia André Gomyde. “Os municípios já estão desenvolvendo Parcerias Público‑Privadas para suas redes e esse
é o momento de criar os smart grids.”
A realidade virtual é real
Interface de interação entre o usuário e um sistema operacional replica ambientes tão próximos quanto o possível da realidade.
O conceito é antigo – os primeiros conjuntos de óculos e luvas de realidade virtual (RV) foram comercializados na década de 80. Porém, a rápida evolução dos dispositivos e a queda dos custos nos últimos anos vêm tornando a realidade virtual um recurso cada vez mais popular, especialmente nos países desenvolvidos. No Brasil, a RV ainda é muito associada ao segmento de entretenimento (como os videogames interativos). Mas isso está mudando. “Começamos a ver aplicações corporativas com base em tecnologia vinda de fora, um processo que vai continuar em 2017”, diz Marcia Ogawa, da Deloitte.
“Ainda dependemos muito de tecnologia importada”, concorda Frees, da ABDI. “A boa notícia é que os sistemas estão cada vez mais refinados e versáteis. Uma aplicação que virá forte é o uso em laboratórios de aprendizagem, que recriarão espaços virtuais, como salas de cirurgia ou cabines de comando, ou oferecerão treinamentos simulados em ambientes hostis e perigosos, de forma segura.”
Impressão 3D: uma fábrica em casa
Tecnologia que permite a impressão de modelos tridimensionais de objetos, em materiais como resina ou nylon, deve crescer.
Em comparação à realidade virtual, a impressão 3D deve ganhar espaço de forma mais acelerada no Brasil. Até mesmo modelos para uso doméstico já se encontram no mercado, a preços a partir de R$ 3,5 mil, e um sem-número de startups de TI e design estuda soluções com base na nova tecnologia, o que deve popularizar o serviço ainda mais. A tendência é que tais impressoras se tornem análogas às gráficas rápidas: qualquer um vai poder baixar um projeto da internet, ir a um birô de impressão 3D e sair, em questão de horas, com um protótipo pronto.
“O cidadão não quer mais apenas comprar coisas: quer construí-las, modificá-las, mudar seus significados”, diz Barcia, do Porto Digital. Com a impressão 3D, essas experiências saem dos laboratórios e ganham as ruas. “Para as empresas, as possibilidades na criação de produtos e peças diversas são imensas. Ainda que os estágios de pesquisa e desenvolvimento sejam custosos, a prototipagem ficou muito barata.”
Blockchain além do bitcoin
Popularizado com o uso da criptomoeda bitcoin, sistema de dados agrupa “blocos” de negociações financeiras e garante o sigilo e a validade de diversos tipos de transações.
A tecnologia conhecida como blockchain tornou-se famosa por viabilizar a compra e venda de bitcoins e outras criptomoedas (ou “dinheiro virtual”). Seus registros permanentes e invioláveis de transações, porém, oferecem possibilidades mais variadas.
Esse tipo de banco de dados vem sendo estudado por instituições financeiras, fundos de investimento e governos para viabilizar a “assinatura” de contratos inteligentes, compra e venda de títulos e outros serviços. Assim, enquanto a febre dos bitcoins arrefeceu nos últimos três anos, as tecnologias de blockchain receberam investimentos de R$ 1 bilhão em 2016.
“É uma tecnologia que, potencialmente, pode causar um impacto grande em nossa economia, mas a perspectiva de uso é no médio prazo. A aplicação mais conhecida por aqui é o bitcoin, mas não é a única, nem deve ser a mais relevante para nós”, aponta Marcia Ogawa.
A sócia da Deloitte enxerga usos mais variados, como a certificação de ativos, títulos e contratos, movimentação de pontos em programas de fidelidade e o pagamento de comissões. “O blockchain traz agilidade e eficiência, além de reduzir muito o risco de fraudes. Pode ser importante para trazer mais transparência ao mercado financeiro.”
Saúde na era digital
Novas tecnologias que chegam para resolver gargalos históricos nos serviços de saúde incluem ferramentas de diagnóstico, acompanhamento, prevenção e gestão.
As carências crônicas no setor público de saúde brasileiro são muitas: falta eficiência, investimento e infraestrutura de atendimento e de prevenção. As prestadoras de serviços privados sofrem com o crescimento do número de usuários, a falta de racionalidade no uso dos recursos (exames e internações) e os aumentos nos custos, muitas vezes, superiores à inflação.
No combate a esses empecilhos, a inovação digital tem entrado com força no setor. Já começamos a vivenciar a disseminação de aplicativos para dispositivos móveis (capazes de realizar diagnósticos rápidos, marcar consultas ou monitorar indicadores corporais) ou o emprego de analytics na interpretação de bancos de dados sobre pacientes.
“A digitalização é um sonho antigo das empresas do setor”, diz Marcia Ogawa, que prevê o início de uma “uberização” da saúde em 2017. Com o neologismo, a sócia da Deloitte quer dizer que veremos uma série de iniciativas capilares, que aproveitarão tecnologias e conexões já disponíveis para melhorar serviços pouco eficientes.
“Os novos aplicativos e softwares trarão resultados ágeis para questões pontuais, como o acompanhamento de doenças crônicas, uma gestão mais eficaz de leitos ociosos ou a otimização na prescrição e na compra de remédios. As grandes empresas do setor sonham com sistemas de prontuário eletrônico que possam formar uma base de dados única compartilhada entre o sistema público e os planos de saúde”, diz Marcia. “No entanto, este é um projeto ainda distante, dada a sua complexidade.”
Cyber security
As tecnologias e os processos de gestão dedicados a prevenir e mitigar riscos ligados a dados sigilosos em ambientes de TI ganham relevância.
A Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) apontou, recentemente, a evolutiva preocupação das empresas com cyber security, pautada pela multiplicação de novas formas de acesso à internet e pela expansão de processos sensíveis, muitas vezes, confidenciais, para plataformas móveis.
Se não forem atualizadas, as práticas antigas de segurança digital se tornam obstáculos., Paulo Pagliusi, diretor da frente de Cyber Risk Services da Deloitte.
Há a percepção de que novos controles e formas de gestão precisam ser implementados para dar conta das mudanças. A definição de práticas de segurança e de limites de governança, inclusive para dados na nuvem e dispositivos pessoais de funcionários, é uma prioridade dos gestores. “Se não forem atualizadas, as práticas antigas de segurança digital se tornam obstáculos”, opina Paulo Pagliusi, da Deloitte. “Como qualquer modificação em um ambiente, a transformação digital traz vantagens e riscos. O modelo antigo, com base apenas no cumprimento de normas, não é suficiente.”
Para Pagliusi, os progressos nesse campo dependem de governança e de engajamento. “Os líderes das áreas envolvidas têm de passar confiança para as pessoas e para o ambiente a seu redor. Isso envolve monitoramento contínuo, inteligência de ameaças e consciência situacional. Além dos mecanismos de proteção, é preciso criar uma cultura de resiliência e adotar uma postura proativa em vez de meramente reativa, diante das crescentes invasões, vazamentos e violações de dados.”
Plataformas autônomas
Os sistemas capazes de gerenciar, por conta própria, recursos de TI e aplicações mecânicas, usando a automação para cumprir tarefas e reduzir a interferência humana na produção, devem ter seu uso expandido no curto prazo.
As plataformas autônomas são parte importante da transformação digital na indústria de manufatura – e não só. Suas arquiteturas preveem a automatização de tarefas como controle de demanda por materiais, monitoramento da produção e gerenciamento de recursos, aproveitando‑se da ubiquidade de sensores e softwares em máquinas e nas conexões entre eles. Sua autonomia inclui a capacidade de analisar a própria performance e promover melhorias e correções.
“Sim, é o setor de manufatura o responsável por disseminar o uso dessas plataformas para os demais segmentos da economia”, confirma José Rizzo Hahn Filho, presidente da Pollux Automation. A empresa, radicada em Joinville (SC), especializou-se no fornecimento de linhas de montagem inteligentes e sistemas de robótica industrial. Para o empresário, os sensores e as máquinas inteligentes formam o tripé da transformação digital na indústria, em conjunto com o analytics e a capacitação das pessoas para a mudança.
“As possibilidades das plataformas autônomas já foram muito discutidas durante 2016. A crise, entretanto, inibiu a concretização das iniciativas”, diz Rizzo, que vislumbra o avanço do uso em duas frentes, em 2017: “grandes empresas que oferecem soluções integradas, ecossistemas que conjugam armazenamento de dados e analytics, e startups que se dedicam a modernizar equipamentos já instalados”.
Além de comandar a Pollux, José Rizzo Hahn Filho também preside a Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII), entidade criada em 2016 para congregar as empresas brasileiras atuantes na área. Com o apoio da Federação da Indústria do Estado de Santa Catarina (Fiesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) local, a ABII pretende divulgar um mercado que vai movimentar, ao final desta década, US$ 15 trilhões em todo o mundo.
Cerca de 50 empresas brasileiras da área de TI, de todos os portes, já demonstraram interesse em integrar-se à ABII. “As empresas estão percebendo, aos poucos, que a internet industrial deve ser uma parte essencial de seus projetos. As empresas nacionais de médio e grande portes são um mercado em potencial para soluções mais completas, integrando máquinas e sistemas inteligentes. Nas multinacionais, há espaço para a cooperação com desenvolvedores locais de softwares”, diz Rizzo.
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