Mentalidade para inovar
Para Larry Keeley, co-fundador da Doblin, hoje diretor da prática de Inovação da Deloitte e destaque em eventos da Singularity University, inovar em um ambiente de convergência requer menos criatividade propriamente dita do que a adoção de uma nova mentalidade e métodos adequados.
Setembro-Novembro | 2018A economia global depende cada vez mais da convergência de setores diferentes e a inovação que vem desse ambiente só vai gerar lucros para toda a sociedade quando a desigualdade finalmente diminuir. É essa uma das mensagens de Larry Keeley, consultor, estrategista empresarial e co-fundador da Doblin, incorporada à prática de Inovação da área de Consultoria da Deloitte. Keeley, que também se tornou um dos palestrantes mais expoentes dos grandes eventos da Singularity University – umas das mais inovadoras experiências de formação em tecnologia e negócios da atualidade – conversou com a Mundo Corporativo durante um descontraído almoço, em sua passagem mais recente por São Paulo, em março de 2018, quando participou da primeira edição do SingularityU Brasil Summit, patrocinado pela Deloitte.
O que caracteriza a inovação no atual ambiente de convergência de setores e mercados em que vivemos hoje?
Inovação hoje em dia tem três guias fundamentais. Primeiro, a tecnologia precisa criar algo mágico. Depois, é preciso que essa tecnologia gere uma experiência pela qual as pessoas sejam gratas. Por fim, é fundamental um modelo de negócio que pareça justo. Isso é possível em qualquer lugar do mundo. Sempre se pode achar algo que deixa as pessoas empolgadas. Transformar um anseio em um modelo de negócios é a chave que pode resolver muitos problemas, e essa chave depende de convergência de setores.
Quais os principais desafios para inovar neste cenário?
Os desafios são muitos, mas o principal é a mentalidade. Antes se costumava pensar que as indústrias deveriam trabalhar de uma forma específica, que já não funciona mais. O Walmart, que era o maior varejista do mundo, não percebeu a revolução e inovação que era a Amazon. Eles pensavam que a Amazon não era o prato principal, mas um acompanhamento. A Amazon vislumbrou lidar com múltiplos setores e foi assim que ela se tornou o que é hoje. Para chegar onde está, ela e outras empresas precisaram de pessoas que pensam de forma complexa. E isso é algo que pode ser aprendido, não é só uma questão de criatividade. A mentalidade é a chave.
De que forma a chamada 4ª Revolução Industrial impacta os projetos de inovação das organizações?
A tecnologia, na verdade, é apenas um pedaço dessa revolução e da inovação. A parte difícil é como pensar de forma inovadora e entender o que essas inovações tornam possível. As empresas hoje criam suas novas competências a partir de algo que já têm. Por exemplo, estou trabalhando hoje com tecnologias de neurociência que ajudam a Mayo Clinic, uma empresa de mais de 100 anos, que atendia a 20 milhões de pacientes por ano nos hospitais. Graças à agenda de inovação do CEO, a clínica começou a buscar meios para chegar a 200 milhões de pacientes até o ano de 2020 sem construir novos hospitais – e, então, foi pensando em cada uma das suas nove unidades de negócios. Hoje, ela consegue monitorar pessoas de idade pelo mesmo preço de uma conta de TV a cabo. Já monitora astronautas, navegadores, pilotos militares e, a partir disso, desenvolveu sensores que permitem a você ou à equipe médica deles fazer o acompanhamento de tudo em tempo integral, pronto para emergências. Assim, ela pode dizer se seu pai tomou os remédios em casa ou não, se está comendo ou não. E, se der permissão, o paciente pode ver tudo isso no celular. Essa é apenas uma de nove unidades de negócios da clínica, que já está mirando 40 milhões de pacientes por ano só nessa atividade. É um exemplo perfeito de como uma capacidade de inovação pode ser ligada a um serviço que resolve uma grande angústia moderna. Essa é uma empresa envolvida na 4ª Revolução Industrial, e isso só cresce a cada dia entre empresas e pessoas.
Como se mede a qualidade de uma inovação e se ela veio para ficar?
Difícil dizer o que vem para ficar em um mundo fluido como o nosso, mas dá para dizer que a tecnologia não é o centro de tudo e que muito dessa resposta pode ter a ver com a comunidade. Com as condições corretas, mesmo as pessoas mais simples podem participar da economia. O Egito, por exemplo, tem um problema de desigualdade maior do que o de São Paulo. A maioria das famílias muçulmanas não vê chances de ascensão. Isso gera desesperança geral. Porém, imagine que agora podem surgir formas de recompensar algumas dessas famílias por trabalhos comunitários. Essa família decide trabalhar melhorando um hospital local ou tapando buracos de rua para conseguir criptocréditos que, depois de um tempo, podem valer um carro. E esse carro pode ser colocado na economia de compartilhamento para gerar mais recursos. Ou para colocar um dos filhos na faculdade. Se houver um sistema de recompensa que cresça geometricamente, quanto mais serviços prestados à comunidade, mais se avança. Isso depende da tecnologia em si? Não muito. Depende mesmo é da mentalidade. Inovação é a forma de pensar diferentemente. Medir eficiência ou qualidade não é simples nesse caso. Talvez a durabilidade dependa também de uma mudança enorme que precisamos viver. Passamos muitas décadas tentando aprender a dizer não às pessoas porque os recursos eram limitados. Agora, para podermos inovar mais e melhor, temos de aprender, com a mesma sofisticação e escala, a como dizer sim, a incluir e gerar oportunidades.
Inovação depende mais do líder de uma empresa ou da construção de um ambiente de inovação como um todo?
É central entender que, antes de tudo isso, é, sim, uma questão de liderança. Vejam um caso próximo ao Brasil, o do Chile. Lá a política tem líderes que decidiram diminuir o custo de educação para a maioria da população. Isso vai influenciar, entre outras coisas, uma percepção de menos corrupção no futuro, com mais ética em geral. No Brasil, essa é uma fonte de tensão entre inovadores. Contudo, é mais do que isso. No Chile, existem cinco famílias que controlam uma porção enorme do comércio. E membros dessas famílias decidiram ser mais agressivos na inovação. Pronto. As empresas se moldam ao que eles pensam.
O que países em desenvolvimento, como o Brasil, precisam fazer para inovarem mais e melhor?
Desigualdade é um problema muito grande, que afeta a capacidade de inovação em todas as frentes. A desigualdade aqui é o tipo de coisa que, em outros lugares, produziu revoluções. Os políticos precisam lidar com isso. É importante criar oportunidades. Países em desenvolvimento foram vítimas de um grande erro na década de 70, decorrente de uma percepção exagerada de riscos potenciais, por parte das nações mais ricas (quando avaliavam a situação desses países). Foi como se a criação de oportunidades nesses locais não importasse. Agora é outro tempo e esses países têm de demonstrar, com estatísticas, algoritmos e muito mais, que é possível enxergar nuances (na realidade local) e, assim, atrair mais investimentos. É possível termos uma percepção mais individualizada de oportunidades, o mundo pode se dar conta disso em breve. Já não adianta olhar para um país inteiro e dizer que é impossível fazer – e essa nova percepção deve fortalecer inovações em todos os cantos do mundo.
Qual é a distância entre países com os piores e os melhores índices de educação em suas práticas de inovação?
É considerável a distância, por isso, existem alguns setores onde devemos concentrar as inovações, como educação e saúde. No Brasil, a vontade política ainda é um desafio. Os cidadãos ainda estão à frente dos políticos. Mesmo assim, existem tendências positivas na agricultura e no setor financeiro. Há formas de se ensinar como lidar com esses temas de maneira inovadora. Mas ainda existe uma lacuna grande entre os mais bem-educados e os demais em matéria de inovação. No caso dessa segunda turma, o objetivo não precisa ser alcançar o topo, mas talvez chegar a um resultado médio. Se isso acontecer, já haverá uma série de oportunidades complementares. Para diminuir essa lacuna, é importante reconhecer que inovação tem uma metodologia, uma lógica, e tem padrões. Quanto antes os países que não vão tão bem pararem de pensar que isso é questão de criatividade, melhor. É método. Se pararem de culpar uns aos outros por não fazerem melhor, o avanço individual vai acontecer mais rapidamente. Isso pode gerar financiamento aos que estão dando certo e, por fim, afetar o padrão e o ritmo da inovação. Os desafios são superáveis, independentemente da sua posição no mundo. Nunca foi tão fácil começar uma empresa, compartilhar ideias, aprender as melhores práticas, tentar algo novo, buscar recursos. A maior parte das desculpas que eu vejo tem a ver com a questão da corrupção. Eu entendo, mas existem famílias e indivíduos tentando fazer a vida melhor. É preciso humildade e empolgação com as mudanças, oferecer prêmios para os inovadores. Precisamos de uma mentalidade inovadora.
Deseja receber conteúdos da Mundo Corporativo e da Deloitte em primeira mão?
Cadastre-se